sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Cê é o Bichão Mesmo, hein Doido

"Conhece-te a ti mesmo"
Entrada do templo de Apolo em Delfos, Grécia

Nesta matéria de março de 2016, na revista VEJA, consta que John Kerry, secretário de Estado Americano, afirmou que os ataques do grupo jihadista Estado Islâmico contra cristãos representam um genocídio. A primeira observação que faço sobre a reportagem é que o Departamento de Estado Americano está há meses tentando decidir se classifica os ataques contra os cristãos como limpeza étnica e genocídio. A segunda observação refere-se a opinião dos funcionários do governo americano, de que mesmo que os atos sejam classificados como um extermínio, isso não implicará que os EUA intensifiquem a campanha militar contra os jihadistas. Sabe o que me intrigou mesmo? Eu me identifiquei com a segunda observação, mas vamos com calma.

Apenas para adicionar alguns dados, esse texto de 2015, também na VEJA, menciona que em torno de 100 mil cristãos tem sido mortos por ano no mundo desde 2012. Há também essa outra reportagem do dia 26 de dezembro de 2016, agora do Jornal da Band, apontando que, apenas no Iraque, a população de cristãos caiu de uma faixa entre um milhão e meio a dois milhões no ano de 2003 para 350 mil em 2016. Bem, de março de 2016 para cá, eu não acompanhei as conclusões do Departamento de Estado Americano, para saber se chegaram a alguma conclusão sobre como classificar o assassinato de pessoas que acreditam em Jesus Cristo. Aliás, pensando agora, cheguei a uma conclusão, a principal faceta dos cristãos é que eles morrem por sua crença ao invés de matarem.

Desviando: Já ouviu aquela máxima de que políticos só executam obras que lhes rendem votos? Raros são os casos de melhorias em merenda escolar, em atendimento médico, em policiamento, educação, em tributos etc. Sempre faltam recursos. Porém, basta entrarmos no ano eleitoral e vemos sinalizações de transito serem pintadas nas ruas, praças serem revitalizadas, gramas serem aparadas nos canteiros etc. Na eleição de 2016, um governo da região onde vivo trocou todo o asfalto de uma pista que estava perfeita. Sei disso porque eu passo lá todos os dias e acompanhei o antes, o durante e o depois.

Voltando: A observação que fiz, sobre os funcionários do governo americano não verem motivo para intensificar o combate contra o Estado Islâmico, mesmo que cristão estejam sendo dizimados, fez eu refletir sobre o quanto eu sei de mim mesmo. Eu sou mesmo o que eu acredito ser? Eu sou do tipo que executa o que rende votos, ou do tipo que faz o que tem que ser feito? Pois bem, vamos fazer uma avaliação do que eu chamo de "minha fé", por exemplo. Para ser mais exato, não é um exemplo, mas sim pertinente.

Eu daria contribuições em dinheiro a uma igreja para que ela pudesse ajudar os necessitados e pagar as contas de água, energia e aluguel do local que eu frequentaria aos domingos? Apesar de estar ciente de que hoje eu estou em "dívida" com relação a esse quesito, mas considerando que já fiz muito disso, minha resposta é sim, contribuiria. Eu ajudaria pessoas passando por dificuldade? Sim, já fiz isso também e continuo sempre alerta. Tomando o exemplo dos cristãos que estão sendo mortos por causa do que acreditam, se alguém invadisse a minha casa, colocasse uma arma em minha cabeça e pedisse para que eu negasse a "minha fé", caso contrário eu seria morto, então eu negaria? Eu concordo, é difícil imaginar por que alguém ameaçaria outra pessoa desta forma, mesmo sabendo que isso acontece lá no Iraque. Porém, como estamos no campo da especulação e continuando nele, eu diria que não, não negaria "minha fé" e provavelmente seria morto. Faço minha autoavaliação sob o seguinte aspecto: "não seja covarde pelo menos uma vez na vida, nem que seja para ter coragem apenas no seu último instante de existência".

Interessante, talvez a mensagem que possa ficar seja, "está aí um grande exemplo de cristão". Porém, cá entre nós, essas provas qualificam-me mesmo como um cristão verdadeiro? O teste que estou usando para julgar a minha fé é o mais correto? É o mais completo? É o que valida de fato que eu seja o que eu digo ser? Acho que não.

Que fique claro que não estou querendo avaliar as pessoas que de fato estão morrendo por sua fé, colocando em cheque seus feitos, pois além de darem suas vidas, tenho certeza que elas passam inúmeras outras dificuldades diárias que ratificam a grandeza de suas convicções. O que eu estou julgando aqui é a mim, mas não eles. Quem sou eu?

Quando esse tipo de avaliação é aplicada a mim, eu não passo de um político tentando angariar votos para a próxima eleição, executando apenas aquelas obras que vão expor o meu nome positivamente aos eleitores. Fiquei pensando bastante e cheguei a conclusão que o teste correto seria outro. Eu me manteria humildemente em silêncio quando tivesse aquela enorme vontade de me gabar com relação a algum feito de sucesso? Eu deixaria de contar alguma "mentirinha"? As aspas e o diminutivo são porque sabemos bem que, assim como não existe meio buraco, não existe meia mentira. Eu preferiria sofrer a injustiça ao invés de revidar, apenas para que a corrente de que o mais forte sempre vence e de que o mais violento sempre conquista terminasse em mim? Além de morrer pelo cristianismo, eu morreria por outra pessoa?

Hum, agora parece que não sou tão cristão assim. Não porque eu não queira, mas porque sei que não conseguirei ser aprovado em todas as vezes, ou na maioria delas, ou nunca. E neste momento, tão espontâneo quanto incompleto, seria pensar que eu apenas tenho que melhorar nos aspectos fracos de minha fé. Ééé, não. O correto mesmo seria passar a avaliar os demais sob o mesmo prisma, de que talvez todos estejam tentando e igualmente falhando por pura limitação, seja lá qual for a dificuldade de cada um. Hum, parece começar a querer despontar um sinal de cristianismo autêntico.

Além disso, nós todos sabemos que o menos necessário é alguém apontando seus fracassos ao tom de, "eu avisei", "quem diria, justo o senhor cristão" etc. Alguém disse uma vez que tem gente que não entra no Céu e nem deixa que os outros entrem. E aqui estendo o conceito de Céu extrapolando para além da religião, até os limites do sucesso, se é que quem disse essa frase já não o tenha feito exatamente neste sentido mais amplo. Talvez seja presunção minha tentar adicionar um significado a essa mensagem.

Enfim, ser julgado aprovado baseado em coisas grandes não é tão difícil como parece, pois dão IBOPE. Difícil é ser aprovado em testes pequenos, no dia-a-dia. Não é à toa que existe outra frase, de que o órgão mais difícil de controlar é a língua.

Quando você for dizer que possui uma ideologia, uma fé, uma crença, ou o que quer que seja, inclusive quando desejar dizer que não tem nenhuma delas, antes de afirmar com tanta certeza, teste-se com as coisas pequenas, aquelas que ninguém vê, mas somente você sabe. Porém, não fique frustrado com o resultado, passando a acreditar que você não é o que diz ser, pois eu posso apostar que o resultado seria o mesmo para qualquer coisa que você atribuísse a si mesmo. O objetivo é passar a olhar para as outras pessoas e se enxergar nelas, consciente de que existe mais delas em você do que você imagina. Quem sabe, no melhor dos casos, você acabe percebendo que pensa diferente do que tem dito, rompendo assim alguns preconceitos, passando a se aceitar mais, deixando de julgar a si mesmo como se tivesse a obrigação de ser algo diferente do que você realmente é.

É, eu sei, é difícil aceitar a si mesmo dessa maneira. Quer saber de uma coisa? Esqueça tudo o que eu falei sobre autoaceitação. Eu sou um péssimo cristão. Estou aqui refletindo com os "meus botões" sobre o que eu sou e o que não sou e, na prática, não estou fazendo nada para salvar vidas de cristãos que estão sendo exterminados. Como imaginei, estou parecendo um funcionário do governo americano, que independente da intensidade do que acontece do outro lado do mundo, não pretende fazer absolutamente nada. Um belo de um exemplo de minha parte.


"Meu monólogo interno é saturado e análogo
Está riscado e à deriva, eu tenho me apegado a ideia
É tudo um sonho de mudança, uma filosofia agridoce
Eu não faço ideia de como eu cheguei até aqui
Eu estou ressentido, eu estou tendo uma crise existencial
Quer felicidade
O horário de verão não vai arrumar essa bagunça"


Abraço: Ao EFS e às duas DUS, pois tenho certeza que gostarão do título deste texto.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

E se Alice tivesse Nascido no País das Maravilhas?

"O começo de todas as ciências é o espanto de as coisas serem o que são."
Aristóteles

Você já parou para pensar que dentro de jogos de videogame existe física? Pelo menos segundo as regras definidas pelos desenvolvedores de cada game. Por exemplo, pensemos em uma personagem cujo alcance dos pulos é limitado, sempre caindo de volta ao nível base de acordo com um valor constante, a gravidade daquele mundo. Considere também que a personagem precisa abrir portas, escalar muros e paredes para poder seguir seu caminho. Se ela não pode ocupar o mesmo espaço que outro corpo ao mesmo tempo, então temos a matéria naquele universo. Quando o herói conversa com outras personagens, há um tipo de interação e que representa o som, a menos que interpretemos o diálogo como telepatia (nesse caso, eu diria que não só há física, como também pode existir metafísica).

Cada jogo possui suas próprias constantes. Alguns, inclusive, tentam simular o mais precisamente possível a física do nosso mundo. Um deles é muito famoso nesse sentido e chama-se Gran Turismo. Ele procura tornar as corridas de carro digitais o mais real possível, para que o jogador sinta como se estivesse pilotando super máquinas de verdade. É muito divertido.

Se olharmos para um dado de outubro de 2015, onde consta que o mercado dos games movimentam em torno de US$ 66 bilhões por ano no mundo, não é de se surpreender que existam até cursos de graduação voltados para o desenvolvimento de jogos eletrônicos. A grade curricular contempla, por exemplo, a disciplina de "Física Para Jogos Digitais", cujo objetivo é capacitar os desenvolvedores na aplicação de conceitos de física dentro do mundo virtual.

Pois bem, o ambiente da personagem dentro do jogo eletrônico pode ser considerado uma realidade? Tenho para mim que pode sim, mas restringe-se a ser o universo dela. Do nosso ponto de vista, não é o todo, mas apenas uma parte e bem particular. Extrapolando a reflexão, e se a personagem virtual criasse consciência? Como ela explicaria ou definiria o seu mundo? Como perceberia em que tipo de universo está confinada? Como saberia da existência de processadores, discos rígidos e de um jogador em um universo paralelo influenciando a existência dela?

Imagine que, uma vez consciente de sua existência, o homenzinho eletrônico passasse a fazer medidas e a definir constantes e equações que explicassem a "Natureza" onde vive. Ele conseguiria concluir que está dentro de um game, dentro de um mundo digital? Ele conseguiria concluir que está confinado aos limites da programação dentro de um computador ou videogame?

Desviando: Quando era adolescente, eu vi um filme chamado "Meia-Noite e Um", de 1993. No enredo, ao ser atingido por um raio, o protagonista percebe que diariamente, à meia noite e um, o mesmo dia recomeça novamente. Ninguém percebe que está vivendo em loop, mas apenas ele, por motivos que o filme explica. É interessante pensar que ninguém percebia que estava vivendo em um ciclo fechado e infinito, uma vez que todas as vezes, em determinado horário, o dia era literalmente apagado. Naquela época fiquei muito perturbado com essa possibilidade. Aliás, estou até hoje. E se nós vivêssemos em ciclos que se repetem, seja lá com que frequência for? Como poderíamos descobrir que estaríamos confinados à eternidade?

Outras duas boas pedidas sobre esse tema são: este vídeo, de Carl Sagan, que mostra como é difícil "caber" em nossa mente realidades alternativas, mesmo matematicamente possíveis, que eventualmente existam ao nosso redor; e um filme chamado "Cidade das Sombras" (DarkCity), de 1998, que mostra o grande poder de confinamento que é possível exercer através da ausência de memória, ou melhor, da ausência de passado. Apenas preste atenção, pois existem dois filmes chamados "Cidade da Sombras". Eu falo daquele cujo original é "Dark City" e não "City of Ember".

Voltando: Como nós podemos ter a certeza de que todas as pistas que estamos seguindo, por mais que sejam mensuráveis, equacionáveis, reprodutíveis e previsíveis, não são falsas, ou não são apenas uma parte bem pequena? Por exemplo, os cientistas verificaram um comportamento digno de espanto no nosso Universo. Tudo o que é visível (planetas, estrelas, poeiras cósmicas, gases etc) representam apenas 5% do que existe. Os 95% restantes, chamados de matéria e energia escuras, não podemos ver, mas podemos apenas verificar a influência interferindo no comportamento do que é visível. Se voltarmos à analogia do videogame, podemos dizer que somos a matéria e a energia escuras da personagem dentro do jogo digital, exercendo algum tipo influência que parece extrapolar os princípios físicos do universo dela.

Como podemos dizer que sabemos algo sobre o Universo ou que não sabemos? Como podemos dizer que tudo veio do nada ou que veio de algum lugar? Como podemos dizer que estamos interpretando certo ou errado tudo o que é medido e calculado? Como podemos saber se o Universo é pequeno ou grande? Já tratei desta pergunta aqui. Como saber se somos parte ou o todo? Se parte, completamos o quê? Se o todo, parece-me que o infinito é bem pequeno.

Desviando: Há uma ideia muito interessante no livro "Ortodoxia" de Chesterton. Tomo a liberdade de dar a minha versão. Quando foi que o fato de uma maçã cair, ao desprender-se do talo que lhe fixa à árvore, fez com que achássemos tão natural que árvores dessem frutos? Imagine como poderia maravilhar-se um ser de outro planeta, no nosso mundo, se visse árvores dando frutos, uma vez que no planeta dele a coisa mais natural do Universo seriam árvores dando pirulitos. Quando foi que tudo deixou de ser um mistério e ficou tão normal?


Voltando: Todos na Terra, sem absolutamente nenhuma exceção, tem mais fé do que imaginam, ou confessam, ou compreendem, ou jamais se perguntaram. Para nós é absurdo que o herói de um jogo eletrônico faça medidas dentro dele e conclua que tudo o que existe se resume à sua realidade, mas não é absurdo que nós façamos a mesma coisa do lado de cá. Sabe o motivo desta diferença, ou da semelhança? Tendemos a acreditar que as respostas que possuímos são absolutas, principalmente aquelas que envolvem números.

Se Alice tivesse nascido no País das Maravilhas, coisas como gatos que se comportam como fumaça, soldados feitos de cartas de baralho, chapeleiros malucos, poções que encolhem e que agigantam seriam todas normais, uma aventura não teria sido contada e ela não acreditaria em milagres.

"Os problemas vieram
Salvei o que eu poderia salvar
Um fio de luz
Uma partícula, uma onda
Mas haviam correntes
Então eu apressei em me comportar
Haviam correntes
Então eu o amei como um escravo"

Sugestão: A quem interessar, essa produção é bem pertinente, promovida pelo filósofo Luiz Felipe Pondé. Aliás, agradeço ao EFS por ter compartilhado o vídeo.