"Mesmo as pessoas que dizem que tudo está predeterminado e que não podemos fazer nada para mudá-lo, olham para os dois lados antes de atravessar a rua."
Stephen Hawking
Foi Gregor Mendel quem, em 1866, estabeleceu
pela primeira vez, através de estatística, padrões de hereditariedade em
algumas espécies de ervilhas. Hoje, já sabemos que a genética é o que nos
determina biologicamente, geração após geração. Em síntese, um conjunto de características
herdadas de nossos antepassados, todas codificadas em cadeias moleculares e
armazenadas em cada uma de nossas células. Nosso código genético possui todas
as informações necessárias para "montar" cada estrutura de nosso corpo, desde um
fio de cabelo até um órgão extremamente complexo, como o nosso cérebro. Porém,
e os nossos comportamentos? Eles estariam também registrados nesses códigos? Se
sim, nossas formas de agir, pensar e reagir poderiam ser pré-definidas? Nossa
personalidade vem "pronta de fábrica", ou é construída ao longo de nossa vida?
É muito interessante ver um pássaro chocando um ovo, ou uma criança com
minutos de vida sugando o peito da mãe pela primeira vez, ou ainda um bezerro
tentando levantar-se segundos após ter nascido. De onde vieram estes
comportamentos, uma vez que não são conscientes? Estariam registrados nos códigos
genéticos?
Desviando: É prudente tomar muito cuidado ao dizer que comportamentos podem ser definidos geneticamente, o que chamamos de determinismo genético. Esse raciocínio
pode levar a perguntas como, quanto uma pessoa é culpada de um crime de fato e
quanto ela não teve opção e foi programada a tais tendências? Também surgiram
na História pessoas que tentaram eliminar alguns grupos étnicos baseando-se na ideia de perfeição genética. Tudo bem, naquele caso as motivações foram outras e o DNA teria sido usado apenas
como subterfúgio. Mas já parou para pensar na lenda do Tarzan? Homem branco, olhos claros, filho de aristocratas, criado por gorilas,
que conseguiu se desenvolver sozinho mesmo perdido em uma floresta, que virou
líder dos símios e que, de volta ao mundo civilizado, também apresentou
habilidades físicas superiores aos demais seres humanos. Pois então, essa lenda
foi criada em 1914.
Voltando: Existem sim tendências de comportamentos armazenados em nossos
genes, mas é importante lembrar que a classificação do que é bom contra o que é
ruim somos nós que fazemos e não a Natureza. Aliás, justamente por não
lembrarmos disso, nós temos dificuldade em aceitar que alguns comportamentos sejam
tendências genéticas. Eu já falei aqui, por exemplo, que não
temos dificuldade nenhuma em associar diferentes comportamentos entre
diferentes raças de cachorro, mas que quando olhamos para nós, tendemos a desconsiderar
a possibilidade de que ansiedade, passividade, impulsividade, entre outros,
possam "estar no nosso sangue". Até levantei a pergunta, nos medicamos para
voltar a ser, ou para deixar de ser?
Vamos pensar em uma máquina, pois são ótimos exemplos. Se um computador
conseguisse imitar a consciência humana em todos os seus aspectos, poderíamos
dizer que ele possui personalidade? Não seria apenas um software extremamente
complexo executando linhas de código? Pois então, nós
fomos programados, ou somos livres? Quanto de nós está mesmo sob nosso
controle? A pergunta central, ou o devaneio de hoje: e a nossa liberdade?
Eu acredito que o livre arbítrio é impreterivelmente resultado de sermos
pretendidos. Se admitirmos que fomos colocados aqui, propositadamente, só nesta
condição podemos acreditar que nossa liberdade existe. Pense no contrário. Se considerarmos
que tudo não passa de probabilidades, então não temos escolhas. Nós seremos o
resultado de pura causalidade, de eventos baseados em causa e efeito. Uma bola
de bilhar batendo em outra, que bate em outra, que bate em outra e assim por
diante.
Imagine que você encontrou alguém com quem deseja passar o resto dos
seus dias. Se você acredita que tem livre escolha, você sabe que pode parar de
procurar um(a) companheiro(a), que você tem mérito na manutenção do seu
relacionamento, que você está construindo algo com alguém, que você está do
lado de quem você escolheu continuar ao lado. Porém, se você considerar que a
existência não passa de "lançamento de dados", você terá que acreditar que tudo
que ocorreu no Universo, inevitavelmente, levaram-te até o momento em que reações
bioquímicas do seu corpo fizeram você se aproximar do(a) seu(ua) amado(a). E pior,
tudo continua sendo apenas reações, causa e efeito que prendem você a pessoa "amada".
Neste caso, você não tem escolha, nunca teve. Pura causalidade e você teria que
se perguntar, o que é o amor, o respeito, as conquistas, o talento, a própria
vida? Uma realidade, ou uma ilusão?
Desviando: Certo homem tinha a função de cruzar cidades para ajudar
pessoas a tornarem-se indivíduos melhores. Porém, havia uma cidade específica,
cujo povo ele detestava. E o que o homem temia aconteceu, foi incumbido de ir também
àquele local odiado e mostrar às pessoas como poderiam ser mais evoluídas. Sem
cerimônias, ele negou, pois não queria que aquele povo se tornasse melhor, queria
sim que todos desaparecessem da face da Terra. Porém, acabou indo obrigado. Literalmente
capturado, ele foi transportado até a cidade. Uma vez no povoado, sem outra
alternativa, concluiu com sucesso o seu trabalho, mesmo ainda abominando
aquelas pessoas. Pois bem, essa história sugeriu-me duas perguntas. Primeira, o
livre arbítrio daquele homem foi suprimido? Tenho para mim que ele possuía uma
função, por isso, se quisesse mantê-la, era obrigado a executar a sua tarefa.
Porém, o direito de amar ou odiar as pessoas daquela cidade não lhe foi tirado.
A mente dele não foi transformada, como um software de computador, para que ele
obrigatoriamente passasse a amar aquela gente. A individualidade dele foi
respeitada. A segunda pergunta, quem pode garantir que o objetivo daquela
jornada não seria ensinar justamente o instrutor a ser uma pessoa melhor? Para
quem se interessou pela história, o nome do homem era Jonas e o nome da cidade
era Nínive.
Voltando: Qual a reposta correta? Fomos ou não fomos colocados aqui? Somos
ou não somos livres? Quando algo parece ter várias respostas não quer dizer que
signifique tudo necessariamente, mas sim que ninguém conhece ainda qual é a
verdade.
O meu palpite? Seguir regras e códigos não significa não ter livre
arbítrio, assim como não segui-los, não significa ser livre. Todas as nossas
escolhas, por mais pesadas ou mais leves que sejam, estão relacionadas aos
ganhos que pretendemos, a quão valiosos os consideramos. Se nunca soubéssemos
que há uma opção diferente daquela que escolhemos e vivêssemos presos a uma
única alternativa como realidade, nesse caso sim, nós não teríamos livre
arbítrio. A verdadeira liberdade é ter opções de individualidade. É nunca ser como
o lado de uma moeda, que jamais saberá que o outro lado existe.
Enfim, você é livre para escolher se prefere acreditar na causalidade ou
na liberdade. Ninguém conseguirá provar o contrário do que você optar, pois se fosse
possível provar, isso inevitavelmente tiraria seu livre arbítrio.
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