quarta-feira, 6 de julho de 2016

Há Coisas Que Ganhamos Mesmo sem Acreditar Nelas

"Mesmo as pessoas que dizem que tudo está predeterminado e que não podemos fazer nada para mudá-lo, olham para os dois lados antes de atravessar a rua."
Stephen Hawking

Foi Gregor Mendel quem, em 1866, estabeleceu pela primeira vez, através de estatística, padrões de hereditariedade em algumas espécies de ervilhas. Hoje, já sabemos que a genética é o que nos determina biologicamente, geração após geração. Em síntese, um conjunto de características herdadas de nossos antepassados, todas codificadas em cadeias moleculares e armazenadas em cada uma de nossas células. Nosso código genético possui todas as informações necessárias para "montar" cada estrutura de nosso corpo, desde um fio de cabelo até um órgão extremamente complexo, como o nosso cérebro. Porém, e os nossos comportamentos? Eles estariam também registrados nesses códigos? Se sim, nossas formas de agir, pensar e reagir poderiam ser pré-definidas? Nossa personalidade vem "pronta de fábrica", ou é construída ao longo de nossa vida?

É muito interessante ver um pássaro chocando um ovo, ou uma criança com minutos de vida sugando o peito da mãe pela primeira vez, ou ainda um bezerro tentando levantar-se segundos após ter nascido. De onde vieram estes comportamentos, uma vez que não são conscientes? Estariam registrados nos códigos genéticos?

Desviando: É prudente tomar muito cuidado ao dizer que comportamentos podem ser definidos geneticamente, o que chamamos de determinismo genético. Esse raciocínio pode levar a perguntas como, quanto uma pessoa é culpada de um crime de fato e quanto ela não teve opção e foi programada a tais tendências? Também surgiram na História pessoas que tentaram eliminar alguns grupos étnicos baseando-se na ideia de perfeição genética. Tudo bem, naquele caso as motivações foram outras e o DNA teria sido usado apenas como subterfúgio. Mas já parou para pensar na lenda do Tarzan? Homem branco, olhos claros, filho de aristocratas, criado por gorilas, que conseguiu se desenvolver sozinho mesmo perdido em uma floresta, que virou líder dos símios e que, de volta ao mundo civilizado, também apresentou habilidades físicas superiores aos demais seres humanos. Pois então, essa lenda foi criada em 1914.

Voltando: Existem sim tendências de comportamentos armazenados em nossos genes, mas é importante lembrar que a classificação do que é bom contra o que é ruim somos nós que fazemos e não a Natureza. Aliás, justamente por não lembrarmos disso, nós temos dificuldade em aceitar que alguns comportamentos sejam tendências genéticas. Eu já falei aqui, por exemplo, que não temos dificuldade nenhuma em associar diferentes comportamentos entre diferentes raças de cachorro, mas que quando olhamos para nós, tendemos a desconsiderar a possibilidade de que ansiedade, passividade, impulsividade, entre outros, possam "estar no nosso sangue". Até levantei a pergunta, nos medicamos para voltar a ser, ou para deixar de ser?

Vamos pensar em uma máquina, pois são ótimos exemplos. Se um computador conseguisse imitar a consciência humana em todos os seus aspectos, poderíamos dizer que ele possui personalidade? Não seria apenas um software extremamente complexo executando linhas de código? Pois então, nós fomos programados, ou somos livres? Quanto de nós está mesmo sob nosso controle? A pergunta central, ou o devaneio de hoje: e a nossa liberdade?

Eu acredito que o livre arbítrio é impreterivelmente resultado de sermos pretendidos. Se admitirmos que fomos colocados aqui, propositadamente, só nesta condição podemos acreditar que nossa liberdade existe. Pense no contrário. Se considerarmos que tudo não passa de probabilidades, então não temos escolhas. Nós seremos o resultado de pura causalidade, de eventos baseados em causa e efeito. Uma bola de bilhar batendo em outra, que bate em outra, que bate em outra e assim por diante.

Imagine que você encontrou alguém com quem deseja passar o resto dos seus dias. Se você acredita que tem livre escolha, você sabe que pode parar de procurar um(a) companheiro(a), que você tem mérito na manutenção do seu relacionamento, que você está construindo algo com alguém, que você está do lado de quem você escolheu continuar ao lado. Porém, se você considerar que a existência não passa de "lançamento de dados", você terá que acreditar que tudo que ocorreu no Universo, inevitavelmente, levaram-te até o momento em que reações bioquímicas do seu corpo fizeram você se aproximar do(a) seu(ua) amado(a). E pior, tudo continua sendo apenas reações, causa e efeito que prendem você a pessoa "amada". Neste caso, você não tem escolha, nunca teve. Pura causalidade e você teria que se perguntar, o que é o amor, o respeito, as conquistas, o talento, a própria vida? Uma realidade, ou uma ilusão?

Desviando: Certo homem tinha a função de cruzar cidades para ajudar pessoas a tornarem-se indivíduos melhores. Porém, havia uma cidade específica, cujo povo ele detestava. E o que o homem temia aconteceu, foi incumbido de ir também àquele local odiado e mostrar às pessoas como poderiam ser mais evoluídas. Sem cerimônias, ele negou, pois não queria que aquele povo se tornasse melhor, queria sim que todos desaparecessem da face da Terra. Porém, acabou indo obrigado. Literalmente capturado, ele foi transportado até a cidade. Uma vez no povoado, sem outra alternativa, concluiu com sucesso o seu trabalho, mesmo ainda abominando aquelas pessoas. Pois bem, essa história sugeriu-me duas perguntas. Primeira, o livre arbítrio daquele homem foi suprimido? Tenho para mim que ele possuía uma função, por isso, se quisesse mantê-la, era obrigado a executar a sua tarefa. Porém, o direito de amar ou odiar as pessoas daquela cidade não lhe foi tirado. A mente dele não foi transformada, como um software de computador, para que ele obrigatoriamente passasse a amar aquela gente. A individualidade dele foi respeitada. A segunda pergunta, quem pode garantir que o objetivo daquela jornada não seria ensinar justamente o instrutor a ser uma pessoa melhor? Para quem se interessou pela história, o nome do homem era Jonas e o nome da cidade era Nínive.

Voltando: Qual a reposta correta? Fomos ou não fomos colocados aqui? Somos ou não somos livres? Quando algo parece ter várias respostas não quer dizer que signifique tudo necessariamente, mas sim que ninguém conhece ainda qual é a verdade.

O meu palpite? Seguir regras e códigos não significa não ter livre arbítrio, assim como não segui-los, não significa ser livre. Todas as nossas escolhas, por mais pesadas ou mais leves que sejam, estão relacionadas aos ganhos que pretendemos, a quão valiosos os consideramos. Se nunca soubéssemos que há uma opção diferente daquela que escolhemos e vivêssemos presos a uma única alternativa como realidade, nesse caso sim, nós não teríamos livre arbítrio. A verdadeira liberdade é ter opções de individualidade. É nunca ser como o lado de uma moeda, que jamais saberá que o outro lado existe.

Enfim, você é livre para escolher se prefere acreditar na causalidade ou na liberdade. Ninguém conseguirá provar o contrário do que você optar, pois se fosse possível provar, isso inevitavelmente tiraria seu livre arbítrio.


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