"O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou."
Bobos da corte eram funcionários
encarregados de fazerem reis e rainhas rirem, isso lá pelas tantas dos séculos
XIV a XVI. Justamente por causa dessa incumbência, eles eram as únicas pessoas
autorizadas a criticarem os monarcas sem que corressem
risco de vida. Entre suas peripécias, muitas vezes apontavam os vícios e as ignorâncias
da sociedade de forma bem grotesca. Por isso, com exceção do casal real, as pessoas
sempre consideravam os bobos bem desagradáveis.
Não devemos confundir bobo da corte com palhaço. A principal
diferença é que este último tem como base a ingenuidade e a inocência, expondo
a si mesmo ao escárnio, enquanto o bobo da corte desnudava o ridículo e as
incoerências das autoridades e da sociedade. Pensando na etimologia da palavra, pelo
menos para o Português, palhaço vem do italiano paglia, que quer dizer palha. Por volta do século XVI esse material
era muito utilizado para preencher colchões de dormir. Os precursores das
palhaçadas vestiam-se do mesmo tipo de pano usado nos colchões, preenchendo as
partes mais salientes do corpo também com palha, para poderem dar suas
cambalhotas sem se machucarem.
Eu nunca tive a chance de conhecer um bobo da corte, em função do século
que eu nasci, claro. Porém já vi bastantes palhaços. Muitas crianças tem medo
deles. Eu não lembro-me de temê-los, mas de fato, não eram seres sobre os
braços de quem eu me atirava. Eu gostava de manter certa distância e confesso
que ainda hoje prefiro rir de longe.
Enquanto lembrava de palhaços e da minha infância, eu me dei conta de
algo "inédito". Até por volta dos meus vinte e cinco anos de idade, eu, inconscientemente,
mantive-me separado do conceito de adulto. Como assim? Durante a maior parte a
minha vida, os meus pais foram adultos e eu fui criança, adolescente, ou jovem. Dias atrás, percebi que aos vinte cinco
anos eu entrei em uma faixa de idade que, enquanto criança, eu vi os meus pais
terem. Isso mudou drasticamente a forma de olhar para mim mesmo, foi quando eu "percebi" que eu sou adulto. Não que eu não soubesse disso a mais tempo, mas é diferente
quando você realmente toma consciência disso e deixa de ser apenas uma
ponderação. Parece que quando esse tipo de percepção acontece os fatos tem mais
peso. Já falei aqui, por exemplo, que faz
muito tempo que eu sei que a morte existe, mas apenas poucos anos atrás eu
ponderei de fato que ela está a um suspiro de distância de cada um de nós.
Desviando: Mario Sergio Cortella disse nesse vídeo que o primeiro ato
de uma pessoa após o nascimento é inspirar o ar. O último ato, imediatamente
antes da morte, é expirá-lo. E que entre esses dois momentos existe vida.
Voltando: Já que tocamos no assunto morrer, lembrei-me de outra abstração
(é intrigante como um tema puxa outro e tudo parece se conectar – espero que se
conecte). A morte é algo que está ao nosso redor, sempre presente, e todos
sabemos que o nosso dia chegará. Ela é tão natural quanto o nascimento. Porém,
tratamos o fim bem diferente do começo. A morte nos espanta mais do que o
nascimento nos arrebata. É estranho como, apesar de tão presente e trivial
durante toda a nossa existência, nós não nos adaptamos a ela. Acho que isso
acontece porque é uma experiência individual e consciente. Quando uma criança
nasce, a casa se enche e a mente do bebe é como um computador vazio que ainda
precisa ter os softwares instalados (como diria um amigo meu). A criança não
faz ideia do que está acontecendo, por isso o nascimento é muito mais uma
experiência de quem já está aqui do que de quem está chegando, pelo menos de
forma lúcida. No dia do nosso fim, a viagem será uma experiência mais de quem
está partindo, solitária, deixando para trás todos os que ficam e consciente do
que se passa (salvo algumas exceções). Aliás, fico curioso ao tentar imaginar
quais seriam nossas ansiedades se existisse uma fila para nascer.
Até certo ponto, nós podemos considerar que a vida nos generaliza, mas a
morte nos individualiza. Quando nascemos, entramos para o grupo. Quando
morremos, deixamos o grupo e vamos sozinhos. Acredito que, naquele momento
final, devemos ter a sensação de que o tempo passou mesmo, de que não era apenas
uma história para crianças, como aquelas que contamos para que se mantenham
afastadas do perigo. Acredito que, naquele instante, nós devemos sentir um
grande peso por termos evitado pensar no assunto, da mesma forma como eu
prefiro manter os palhaços a certa distância, pois do contrário teríamos tido
coragem, ou motivação suficiente para fazer escolhas diferentes.
Desviando: Depois que a vela é acesa, não precisamos fazer mais nada até
que ela se consuma até o final. A diferença entre nós e uma vela? Ela não sabe
que está acesa. Ou isso seria uma semelhança?
Voltando: Para mim, elucubrar sobre tudo isso é bom e ruim. É bom pois
permite reduzir um pouco o peso lá no final, ao guiar-me por alguns lampejos de
escolhas que realmente importam. É ruim, pois sinto-me como um doente terminal,
que sabe do valor de fazer só o que realmente importa, mas sem a doença
propriamente dita, sobre a qual eu poderia apoiar-me para que a sociedade não
me considerasse um lunático, já que me falta a coragem. Enfim, eu estou vivendo
esta fase, de trabalhar a ousadia na tentativa de aproveitar melhor o tempo sem
ser considerado um desequilibrado (já falei disso aqui). Tenho que dar um
jeito de ser considerado no máximo um excêntrico, pois está mais na moda e a
sociedade considera a moda o máximo.
"Tempo,
fique parado
Eu
não estou olhando para trás
Mas
quero olhar ao meu redor, agora
Tempo,
fique parado
Ver
mais das pessoas
E
dos lugares que me rodeiam, agora.
(...)
O
verão está passando rápido
As
noites ficando mais frias
Crianças
crescendo
Velhos
amigos ficando mais velhos"
Eu não disse que tudo
tinha que se conectar de alguma maneira? Pois então, o tempo é um grande bobo
da corte de pseudo reis sentados em seus pseudo tronos, que estão sendo
ridicularizados por fazerem bobagens para parecerem sérios. Porém, existem
alguns palhaços que, percebendo suas ingenuidades, passaram a rir ou a chorar
de si mesmos. Eu estou tentando migrar para o grupo dos palhaços, que fazem
bobagem para parecerem bobos.
Agradecimentos: A PB, de quem tirei a ideia de que um bebê é como um
computador vazio e a SR que sugeriu o tema sobre o tempo que passa.