"Nenhum preço é alto demais quando se paga pelo privilégio de ser dono do próprio nariz."
Friedrich Nietzsche
O conceito entre o bem e o mal não é tão antigo quanto aparenta. Começou
a despontar com Demócrito, através de seus
significados absolutos, em 400 A.C., período da filosofia pré-socrática. Resume-se a avaliação de objetos, pessoas e comportamentos sob um
espectro dualístico.
O bem refere-se a aspectos pró vida, continuidade e felicidade, enquanto o mal
destaca-se pelas características contrárias a estas. Porém, atualmente, está
cada vez mais difícil separar os dois lados. Às vezes encontramos motivações
maldosas no bem que é praticado e outras vezes até conseguimos identificar alguma
nobreza em situações de cunho negativo. Não é à toa que os anti-heróis tem feito muito
sucesso. Uma mistura entre o bem e o mal, o dia e a noite, deuses e homens. Tenho
a opinião de que essa mescla é vital para que os Homens elevem-se à condição de
deuses. Precisamos dar um jeito de explicar um Universo em que seus senhores podem
ser imperfeitos. O que fazemos? Fundimos o bem com o mal.
Nesta matéria, sobre os dez
momentos nos quais o "politicamente correto" passou dos limites, entre as várias
situações bem intrigantes, uma chamou mais a minha atenção. Uma atleta
brasileira foi assaltada e levou um tiro dos agressores. Ela foi entrevistada e
questionada sobre o que gostaria de dizer aos bandidos...
"Entrevistador: Você diria alguma coisa aos rapazes que
lhe assaltaram?
Vítima: Só consigo pensar em desculpas. Eu
sinto muito, porque, infelizmente, o que aconteceu comigo é reflexo da
sociedade em que vivemos.
Entrevistador: Você gostaria de pedir desculpas a
eles?
Vitima: Sim.
Entrevistador: Por quê?
Vitima: Porque assim como fui vítima, eles são vítimas
de tudo que vivemos hoje. É muito frustrante passar por uma situação como essa
e ver que as pessoas se colocam nessas posições para sobreviver."
Uma dúvida me ocorreu, que tipo de discursos temos ouvido para que
passemos a questionar o mal? Por que estamos ficando em dúvida sobre o que
realmente é mau e o que de fato é bom? Quem tem feito esses discursos? São conclusões
inevitáveis, ou são ideias alicerçadas tijolo a tijolo nas nossas mentes?
Desviando: Existe uma história antiga que diz que o Homem vivia na
inocência. Naquele período, ele habitava o Paraíso. Em algum momento, por
quaisquer que tenham sido as razões, o Homem deixou a pureza e fez distinção
entre o bem e o mal. Conta a história que, a partir daquele instante, o Homem
iniciou seu processo de decadência. Continuando na linha do tempo, agora
olhando para o futuro, o mesmo livro faz uma previsão. Diz que chegarão tempos
em que o Homem não mais distinguirá o bem do mal, mas os dois conceitos irão misturar-se
em sua mente, por consequência, reverberando em tudo que seja proveniente de
sua mão. O livro conclui que esse período será o último estágio da decadência.
Será o período da autodestruição.
Voltando: Imagine que você possui um amigo que, frente a atual crise
política e econômica, passa por sérias dificuldades financeiras. Ele acaba sendo
despejado de casa, pois deixou de pagar as parcelas do financiamento
imobiliário. Você, sensibilizado com a situação, oferece abrigo a ele e família
até que possam equilibrar-se novamente. Poucos dias após instalarem-se na sua
casa, acontece algo inesperado. O filho deste amigo faz um mal terrível ao seu(sua)
filho(a). Algo chocante, "imperdoável" (imagine o que quiser). Você não sabe se
chora de tristeza ou de raiva. Emocionalmente, você não consegue separar a
responsabilidade do garoto da responsabilidade do amigo. Racionalmente, você
sabe que precisa ponderar tudo com muita calma para chegar a melhor solução
possível. Ou vice-versa. A culpa é do garoto, ou é do pai dele? O garoto é
malvado, ou ele é a consequência da criação que recebeu? Do ponto de vista do
seu(sua) filho(a), a culpa poderia ser sua, por ter aberto a porta de casa para "estranhos"? Ou foram todos vitimas da situação econômica e política do país?
Tudo bem, você poderia responder que nunca passaria por uma situação
assim. Por que deveria ficar imaginando situações como esta? Talvez você tenha
razão. Porém, os governantes europeus não podem dar essa mesma resposta, pois
são justamente situações como estas que eles estão enfrentando, com as imigrações a partir de países do Oriente
Médio. Algumas pessoas que fugiram de crises civis de seus países, que receberam
abrigo, fizeram muito mal a mulheres europeias (filhas de alguém). Como
resolver essa questão? Por mais que não aconteça diretamente conosco, é uma
situação da qual fazemos parte. E o ponto é, nossos julgamentos estão distorcendo
a fronteira entre o bem e o mal, ou esse limite nunca existiu de fato?
Sabe o que acontece quando o Homem perde-se em seus valores, tomando
aquilo o que lhe é conveniente como certo ou errado? Abre-se a brecha para outro
Homem apresentar um interesse que possa ser compartilhado. Então, o primeiro
Homem, confuso, pode ser guiado cegamente. Já ouviu aquela famosa frase do
conto "Alice no Pais das Maravilhas" que diz, "se você não sabe para onde vai,
qualquer caminho serve"? Enfim, será que eu estou exagerando? A última
experiência que tivemos com esse tipo de situação foi no período da Segunda Guerra Mundial, com Adolf Hitler. Aliás, a Segunda
Grande Guerra foi uma das consequências das ações de um povo que deixou-se
guiar, levianamente, por um líder que dizia conduzi-los à grande guinada para
fora do caos.
Desviando: Sabe o que é interessante? O mesmo livro que citei no "desviando" anterior conta que quando os seres humanos, globalmente, perderem-se
em seus valores, um homem surgirá com a resposta e os guiará ao seu próprio extermínio.
Você acha que isso nunca mais poderá acontecer de novo? Então recomendo-lhe
assistir o filme "A Onda", informar-se sobre a
cadeia de eventos que embasaram o Terceiro Reich e comparar com o que
tem acontecido nos dias de hoje, mundialmente. Não sei você, mas eu fico muito espantado
com essas coisas. Se fosse eu quem tivesse escrito o livro que venho citando,
eu colocaria essa frase no final, incluindo a interrogação: "Isso é uma obra de
ficção, qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência (?)". Ou, talvez, eu apenas desse o nome de profecia.
Voltando: Nós não aceitamos mais fazer o que tem que ser feito apenas
porque é o correto a se fazer. Nós relativizamos os conceitos, pois sempre há
alguma conveniência. Nós não nos guiamos mais nem pela razão, nem pela emoção.
Não nos guiamos mais nem pelo ceticismo, nem pela fé. Já falei aqui que, mesmo sabendo
que temos 171.452 vezes mais chances de morrer a caminho da lotérica do que de ganhar
na Mega-Sena, nós ainda assim escolhemos sair de casa para fazer uma aposta. Outro
exemplo? Um religioso que segue uma vida reta porque tem medo de passar a
eternidade sofrendo e não porque é o que deveria ser feito. Os ideais são
avaliados em função de nossos interesses. Infelizmente, isso nos trará o caos
um dia. Basta que a situação fique crítica o suficiente, então estaremos
suscetíveis a liderança de alguém que apresente um caminho coletivo, que nos
guie por entre os vales das nossas dúvidas, mesmo que não saibamos bem onde
iremos chegar.
Minha conclusão? Não é que o bem e o mal não são tão bom e mau,
respectivamente, mas o verdadeiro bem é muito mais sublime do que podemos
imaginar e todo o resto é mau. Nós sentimos isso, mas não assumimos, pois é
mais conveniente que tudo seja circunstancial. Pensar assim nos dá a sensação
de que somos donos do próprio nariz, seja qual for o preço. Uma pena que não
consigamos enxergar as consequências um palmo a frente deste mesmo nariz.