"Paramos de procurar monstros embaixo da nossa cama quando percebemos que eles estão dentro de nós."
Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008)
Costumeiramente, ouço dizer que o mundo está nas mãos dos grandes empresários. Aliás, que apenas um, dois, no máximo dez por cento das pessoas detém o poder – possuem os recursos necessários – para definir a vida dos 90% restantes. Entretanto, essa definição de controle me soa um tanto quanto estranha. Demasiadamente generalizada e aquém de qualquer análise mais refinada. Beira o clichê.
Eu sou péssimo em economia e política – talvez essa confissão comprometa o parágrafo anterior –, devido minhas formações acadêmica e profissional terem sido focadas mais em um aspecto científico do que sociológico. E quando contraponho ciência à sociologia, a intenção é dizer que não consigo subjugar evidências observáveis às eventuais paixões partidárias. Ainda que o debate de ideias penda a meu favor, uma vez que os dados mostrem o contrário, não consigo mais continuar entoando gritos de guerra. Acho mesmo curioso como os rótulos são tão facilmente aceitos e abraçados pela maioria das pessoas. Reiteradamente afirmo que elas creem ser verdade aquilo que desejam que seja verdade.
Pois bem, não proponho fazer uma análise do aspecto demoníaco do capitalismo ou da política, ou de suas facetas angelicais – seja lá a verdade que cada um prefira acreditar. Meu intuito permeia a seguinte questão: na mão de quem o mundo está?
O objetivo da maioria das empresas – excluo as filantrópicas e outras análogas – é maximizar o lucro, que, resumidamente, se obtém pela diferença entre os ganhos e os custos. Então, maximiza-se o lucro, aumentando as vendas e reduzindo as contas. Sem novidades...
Vamos ponderar o efeito da possível "consciência" ambiental de uma corporação. Com o nível tecnológico atual, qualquer método de tratamento de emissões, efluentes e resíduos, mesmo o reuso ou a reciclagem, ainda é mais caro do que um descarte irresponsável. Sendo assim, uma empresa maximizaria o lucro não "cuidando" do Meio Ambiente – redução de gastos. Entretanto, pelo menos nos países desenvolvidos, a população já possui uma lucidez ambiental mais avançada – sim, há discussão se o indivíduo é soberano nesta "evolução". Portanto, se uma companhia não investir em sustentabilidade, provavelmente ela vai reduzir muito seus ganhos, devido as preferências de um mercado consumidor mais "evoluído". Assim, tratar os resíduos faz com que uma companhia aumente seus ganhos em uma proporção maior do que seria a redução dos custos se não os tratasse – there is no free lunch.
No parágrafo anterior, concentrei a análise no aspecto ambiental, mas o raciocínio também funciona para a qualidade dos produtos de uma empresa, para as vantagens econômicas que oferece, para a responsabilidade social que pratica etc. Portanto, quem tem o mundo nas mãos, quem vende ou quem compra? Então, considerando o estado atual do planeta, os reais "gestores" globais possuem uma consciência tão evoluída como acreditamos que têm – ou que seria prudente terem?
Desviando: O repórter policial Gil Gomes tinha uma voz muito característica. Certa vez ele revelou que enviou uma fita cassete, com a própria voz, para uma estação de rádio, que promovia um concurso de imitadores do Gil Gomes. O espanto cômico da parte dele foi ter ficado em terceiro lugar. Sabe qual o nome disso? Hiper-realismo, quando a ideia toma o lugar da realidade – já falei sobre isso também aqui.
Veja este outro caso, quem disse as seguintes frases, Che Guevara ou Pinochet? (1) "Os jovens devem aprender a pensar e agir em massa. É criminoso pensar como indivíduos." (2) "Fuzilamento sim. Fuzilamos, estamos fuzilando e seguiremos fuzilando enquanto seja necessário." (3) "O ódio é o elemento central de nossa luta." Pois bem, foi Che Guevara. Sabe por que nos espantamos ao conhecer o autor? Se é que nos espantamos. Porque a personagem tomou o lugar do homem, a ideia tomou o lugar da realidade. Até mesmo um ex-presidente brasileiro já citou claramente esta estratégia. Em um discurso, poucas horas antes de ser preso, ele disse: "Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês."
Esse é mais um dos inúmeros problemas da política, pelo menos para o eleitor, pois este vota em ideais, mas é governado por pessoas, e não é uma condição obrigatória que ideal e candidato estejam em concordância. Por isso, essa tem sido a principal estratégia dos estadistas, transmutarem-se em uma ideia, ou seja, assumirem um rótulo que lhes renda votos.
Voltando: Perceba, aquela vaga análise sobre economia funciona até mesmo, e principalmente, para a política. Entretanto, o dilema surge no fato de as intenções políticas, do lado dos candidatos, não serem sociais, mas assim serem do lado dos eleitores, na maioria dos casos. O objetivo de qualquer estadista é o poder, sempre foi e sempre será. Pense, em toda a história da humanidade, quando foi que política não se resumiu ao poder?
Analogamente à economia, o objetivo de qualquer regime político é maximizar o poder. Para obtê-lo, precisa-se de votos, e em contrapartida é oferecido...? Aquilo que os eleitores desejam "comprar". Ainda semelhantemente à economia, na política, quem tem o planeta nas mãos, aquele que "vende" ou que "compra"? Os efetivos guias do mundo possuem mesmo uma consciência tão evoluída como sugerem que têm?
Enfim, enquanto os verdadeiros líderes do planeta se interessarem por ostentação, eles terão de usar seus votos para comprarem política para legalização de armas – para a autodefesa. Enquanto aqueles que realmente decidem pelo rumo da história acharem que não é possível haver liberdade sustentável baseada na meritocracia, e que tudo se resume à exploração, eles terão que adquirir dos estadistas as "bolsas famílias". Enquanto o produto que se deseja for sexualidade e promiscuidade, e querer ver essa "cultura" representada no topo de listas de aplicativos de transmissão de música, os legítimos líderes mundiais terão que escolher políticos sob o prisma de qual momento começa a vida – e terão que pagar extras para terem plano de saúde. Enquanto seus desejos forem fama em aplicativos de 60 segundos, terão que continuar comprando cotas, de seus políticos, dos mais variados tipos – e pagando extras por escolas particulares. Eu poderia encher algumas páginas...
"As pessoas sabem aquilo que elas fazem; frequentemente sabem porque fazem o que fazem; mas o que ignoram é o efeito produzido por aquilo que fazem."
A economia e a política de um país são tão nobres quanto for nobre a sua população, e essa nobreza tanto se expressa quanto maior for a consciência do cidadão, de que possui a nação em suas mãos. Entretanto, sempre foi providencial que o monstro esteja lá fora, mas aqui dentro esteja somente a vítima, pois a responsabilidade demanda muita energia. É sempre menos desgastante pagar em moeda do que em nobreza. Assim, fato é que, nesse conto de fadas, paradoxalmente, a vítima é o vilão de si mesma. Mas não acreditamos em contos de fadas, pelo menos não quando nós somos o lobo mau.