"Quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso."
Lendo a frase de Malanie Klein ocorreram-me dúvidas e tristezas. A palavra "conhecimento" pareceu sugerir algo bom. A palavra "paraíso" também insinuou algo idealmente agradável. Foi daí que veio a angústia, se o conhecimento me afasta de uma situação virtuosa ou de um estado deleitoso, então ele não pode ser plenamente bom. Verdadeiro ou falso?
Desviando: Assemelha-se muito àquela indagação, "se Deus é bom, por que criou um mundo mau?". Analogamente, "se o conhecimento é bom, por que me põe para fora do paraíso?". Porém, com relação ao conhecimento, tendemos a ser mais pacientes. Não saber a resposta para a primeira questão é um bom argumento para negar a Deus. Não saber a resposta para a segunda pergunta não interfere em nada no aspecto "divino" do conhecimento. De fato, cada um escolhe o deus que quer ter.
Voltando: A primeira possibilidade seria, sim o conhecimento não é plenamente bom. Talvez ele seja somente mais um daqueles conceitos que temos "medo" de revisar. Alguém, algum dia, disse que o conhecimento era bom e nunca mais pensamos sobre isso. Você se lembra da citação sobre uma cadeira, de Clarice Lispector, feita aqui? Talvez o conhecimento se assemelhe mais a um remédio amargo do que a um dia ensolarado na praia.
A segunda tentativa de entender minhas inquietações foi recorrer à fonte da citação de Melanie. A esperança era que existisse algo a mais lá que elucidasse a mensagem. E o texto segue logo abaixo. Ah, eu farei comentários entre colchetes, ora para aguçar ainda mais nossa curiosidade, ora para ajudar a iluminar minhas dúvidas (ou não).
"O Senhor Deus fez nascer então
do solo todo tipo de árvores agradáveis aos olhos e boas para alimento [sustento?].
E no meio do jardim estavam a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem
e do mal [então eram duas árvores especiais?]. (...) E o
Senhor Deus ordenou ao homem: 'Coma livremente de qualquer árvore do jardim [da
árvore da vida também?], mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do
mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá.' (...) Ora, a
serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus
tinha feito. E ela perguntou à mulher: 'Foi isto mesmo que Deus disse, não comam
de nenhum fruto das árvores do jardim?' [mentira] Respondeu a mulher à
serpente: 'Podemos comer do fruto das árvores do jardim, mas Deus disse para não
comermos do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem tocar nele; do
contrário morreremos.' [a mulher estava esperta e percebeu a mentira] (...)
Disse a serpente à mulher: 'Certamente não morrerão! [mentira] Deus sabe
que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês serão como
Deus, conhecedores do bem e do mal.' [verdade, o próprio Deus vai afirmar
isso logo adiante] Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao
paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter
discernimento [satisfações pessoais?], tomou do seu fruto, comeu-o e o
deu a seu marido, que comeu também. [a mulher sempre amadurece antes do
homem] (...) E ao homem Deus declarou: 'Visto que você deu ouvidos à sua mulher
e comeu do fruto da árvore da qual eu lhe ordenara que não comesse, maldita é a
terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da
sua vida. Ela lhe dará espinhos e ervas daninhas, e você terá que alimentar-se
das plantas do campo. Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão [uhm,
parece-me que a fartura cessou e junto com a independência, o homem também
herdou a responsabilidade de cuidar de si mesmo], até que volte à terra,
visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará.' (...) Então disse
o Senhor Deus: 'Agora o homem se tornou como um de nós [nós? mais de um? trindade em Genesis?], conhecendo o bem e o
mal. [viu? metade do que a serpente disse era verdade] Não se deve,
pois, permitir que ele também tome do fruto da árvore da vida e o coma, e viva
para sempre'. [não era proibido comer da árvore da vida mesmo] Por isso o
Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora
tirado. [pois é, não dá para ser independente somente nos direitos, tem que
ser nos deveres também]"
Gênesis 2:9,16,17 e 3:1-6,17-19,22,23
Desviando: Dá uma sensação boa de satisfação, né? Quando modestamente lemos algo para conhecer ou aprender corretamente, ao invés de somente pensarmos que sabemos.
Voltando: Se eu não estiver enganado, olhando para a mensagem original, parece-me que o conhecimento por si só não é o problema. Acredito que a ideia de independência, ilustrada através da simbologia da alimentação, do sustento e do trabalho, seja a peça que estava faltando para esse quebra-cabeça.
Vamos analisar uma criança, que provavelmente era o caráter de Adão antes de comer o fruto proibido. Ela sabe o que é certo e errado, mas (se bem me lembro de minha época) não o sabe do ponto de vista das consequências e sim apenas do ponto de vista da aprovação e reprovação de seus cuidadores. Neste sentido, é uma relação onde não há independência. Seja do lado da criança, que precisa do "sustento". Seja do lado dos pais, que estão presos à uma responsabilidade. E essa falta de independência não é questionada por ninguém. Quem se espantaria ao ver uma criança completamente dependente de um adulto? Quem tentaria alertar um adulto de que este estaria sendo explorado por uma criança? É uma relação natural, óbvia, esperada.
Porém, em algum momento, a criança passa a ansiar por independência. Não diferente, os adultos começam a sentir o "peso" (em uma relação saudável) de continuar sustentando um humano formado. Parece haver uma ruptura. Para a criança, o foco de suas escolhas muda do plano da aprovação e reprovação para o plano das consequências. Ela passa a querer ver e desfrutar dos resultados de suas próprias ações e competências. A dependência mútua naquela relação deixa de ser natural, óbvia e esperada para pais, filhos e também para quem os rodeia.
E esse tipo de ruptura não se restringe somente à relação entre pais e filhos, mas pode ser extrapolada para a relação entre amigos, conhecidos e mesmo desconhecidos. Ninguém quer ser dependente de alguém e ninguém quer ser responsável por alguém (em situações normais). Eu, particularmente, quero poder ir e vir, fazer e desfazer, seja com minhas próprias capacidades, seja não estando "amarrado" a ninguém. Quem quer se sentir sufocado, concorda?
Onde quero chegar? No ego e na satisfação individual. No desejo de se obter conhecimento para me sustentar com minha própria força. No conhecimento para se obter independência dos homens e do mundo. Esse é o problema, o conhecimento atrelado ao desejo de sermos soberanos. O conhecimento para se tornar um deus. Não foi assim que a serpente tentou Eva, "serão como Deus"?
Se todos cuidassem uns dos outros como pais cuidam de seus filhos, se todos se permitissem serem cuidados como os filhos se deixam cuidar por seus pais, será que não viveríamos ainda no Paraíso? Não sei. Quem sabe? Talvez para isso precisaríamos continuar com a inocência de uma criança. Não no sentido de não conhecermos o certo e o errado, mas no sentido de sermos honestos com nós mesmos e com todos. Arrisco dizer que um ser humano escolhe mais vezes fazer o correto quando implica em aprovação e reprovação do que quando implica em consequências. Abrir os olhos não resulta em melhoria. E é essa inocência que nos falta, a obediência simples a regras, a princípios, a moral, a ética etc.
Então, eu gostaria de tomar a liberdade de fazer uma ligeira modificação na frase de Melanie Klein, pois parece-me que o Paraíso é um lugar cheio de gente:
"Quem come do fruto do conhecimento [para se descobrir independente] é sempre expulso de algum paraíso."
Concluindo, no passado, os adultos me prometeram um mundo globalizado e unido. Hoje percebo que nosso futuro está se dividindo cada vez mais em pequenos grupos, que lutam por suas independências e emancipações. Todos esses grupos e outros que ainda vão surgir, cada um a seu modo, estão caminhando a passos largos para fora do Paraíso. Ou pior ainda, quem sabe desta vez estejamos trazendo o Paraíso abaixo junto conosco.