"O problema do nosso tempo é que o futuro não é o que costumava ser."
O nome ouroboros vem do grego "oura" (calda) e "boros" (devora). É um conceito representado por uma serpente ou um
dragão devorando a própria cauda. Entre as muitas interpretações, aquela com a
qual eu mais me identifiquei, ou para a qual eu gostaria de apontar, foi dada
pelo Dictionnaire des symboles: o ouroboros
simboliza o ciclo da evolução voltando-se sobre si mesmo.
Uma discussão a respeito da mais nova produção do grupo Porta dos Fundos está em alta. É um "especial" de Natal chamado "A primeira tentação de Cristo". Ela critica, ou
satiriza, a pessoa de Jesus, mas não somente a dele. Está disponível na NetFlix para quem desejar assistir.
Também coloco aqui o trailer, para quem
tiver preguiça de ver o filme, assim como eu. Confesso que também não vi o
trailer, mas eu não conto para ninguém se você também não contar. Enfim, o
debate promovido gira em torno da representação de Jesus como gay.
Desviando: Eu fiquei com uma dúvida sincera. Eu não sei quem o grupo
tentou satirizar, se Jesus ou se os gays. Afinal de contas, foi preciso
transformar Jesus em gay para criar comédia. Os comediantes não são capazes de criar
piadas de Jesus em si mesmo? É preciso usar o subterfúgio do homossexualismo?
Então, sinceramente, de quem se está rindo?
Voltando: O ponto no qual desejo focar a atenção é o fato do grupo Porta
dos Fundos estar sendo duramente tachado pelo filme. Eles produziram uma
crítica, digamos que contra a religião, e por isso estão sofrendo revides bem
pesados. Minha dúvida, há algum tipo de censura nesse ciclo? Por exemplo, quem
reprova a equipe que produziu o filme estaria sendo repressor? Talvez. O
problema é que, se impedíssemos a manifestação de quem condena a crítica, não
seríamos tão autoritários quanto? Quem tem autoridade, ou competência, para
definir qual julgamento pode ser feito e qual não pode? Eu não sei como
resolver esse impasse.
Então, fiquei pensando em um exemplo para tentar esclarecer minha dúvida,
mas, obviamente, não a resposta. Vamos pensar na nudez e no ato de cobrir-se.
Ambos podem ser considerados formas de expressão. O problema é que os dois são
conflitantes entre si. Aqueles que usam a nudez para manifestar sua mensagem
são atacados, ou se ofendem, por aqueles que se cobrem. E aqueles que se cobrem
são atacados, ou também se ofendem, por aqueles que se desnudam. Então, qual a
medida correta? Há um equilíbrio? Ou melhor, deveria mesmo haver um equilíbrio?
Talvez sejamos passionais demais com relação às nossas opiniões, de ambos os
lados.
Eu tentei muito, mas não consegui. Inevitavelmente, terei que usar uma
palavra que carrega muitíssimos (pré) conceitos. Ela é a democracia. E a
pergunta que me veio à mente foi: a democracia é poder falar, ou é deixar
falar? Eu exerço a democracia quando eu falo o que eu quero, ou quando eu deixo
falar o que querem? A democracia nos dá poder, ou ela nos dá limites?
Sinceramente, não sabemos o que é democracia. Talvez ela não seja nada
além de um sistema político. Porém, mesmo reduzida a esse sentido, ela ainda consegue
ser imperfeita, pois tem êxito apenas em permitir que a escolha seja feita pela
maioria, não significando que será a escolha correta, ou a melhor. E o que
desejamos em essência, a decisão tomada pela maioria ou a decisão correta? Se
chegarmos a essa resposta, quem sabe exista uma ínfima chance de que tudo seja
resolvido.
Talvez a democracia seja somente uma palavra mágica, atrás da qual nos
protegemos dos erros que gostamos de cometer. De fato, hoje em dia ela é um
deus intocável, algo divino. Critique Jesus Cristo, mas "lave a boca com sabão" antes de falar contra a democracia. Será que eu poderia fazer um filme em que a
democracia fosse uma tirana ensandecida? Será que ririam do meu filme?
A democracia, assim como o ouroboros, está se voltando contra si mesma.
Ela está mordendo a própria cauda. O sistema (acho brega usar esse termo, mas por
falta de outro) está se alimentando de si mesmo. E não poderia ser diferente. Como
todo sistema criado pela humanidade, a democracia também é em si, ou tornar-se-á,
uma forma de tirania quando deixar de servir aos humanos e passar a servir a si
mesma. Aconteceu isso com todas as forma de governo do passado.
Finalmente, que novo sistema passará a ser a esperança na história da
humanidade quando a democracia colapsar sobre si? Será somente o fim de um
ciclo, ou a grande serpente, mordendo a partir de sua cauda, alcançará a
própria cabeça? Concordo que, entre todas as formas de governo que já criamos, a
democracia é a menos pior delas. E é isso o que me preocupa, haverá algo melhor
quando esta última não servir mais? Quem sabe finalmente surja algo que não tenha
sido criado por nós.
Bem-vindo ao futuro. Fim!